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Inventando Existências

          Joyce confessou que gostaria de fazer uma pintura de Dublin, sua terra natal, tão completa que se um dia a cidade desaparecesse repentinamente da terra pudesse ser reconhecida a partir de um livro seu. Tentou - e por certo o conseguiu - a difícil façanha em Ulisses.
    Muitos outros escritores também voltaram-se para suas raízes. Eu prefiro as cidades invisíveis, as inventadas, as que são pedaços de recordações de vários lugares, inclusive da cidade de nascimento.
    Nunca senti a combustão literária fundamental para desvendar as cidades dos meus primeiros anos de vida: Itapé, onde nasci na fazenda Bela Vista; Itabuna, onde passei a infância e adolescência; Ilhéus, onde vivi os últimos anos brasilis. O que relembrar? Mentir, acariciar ou despejar amargura? Escrever suave, brutal ou ácido?
    O escritor Cyro de Mattos, ao organizar uma antologia  sobre Itabuna, escreveu-me avisando que eu não estava incluído por perceber "que suas origens telúricas não contam em sua experiência literária". Nao deixa de ser uma verdade, embora tenha publicado semanalmente, de fevereiro de 93 a julho de 94, no jornal Agora, o retrato coletivo, a anatomia social, a crônica desta cidade onde fui ensinado a viver.
    Fiz demasiados inimigos nesta tentativa de um microcosmos do "cacau". Anos depois, em Madri, escrevi o ainda inédito Recordações de Coisas Passadas, onde obviamente falo o suficiente de Itabuna.
    Como ando escrevendo fragmentos sobre Barcelona - seja em poesia, entrevistando seus artistas ou no meu próprio Diário -, regresso à questão do porque da preferência pelas cidades imaginárias, pois a bela Barcelona, como Sintra ou Fez, é uma cidade irreal, colagem de muitos mundos, como uma criação artística dadaísta .
    Será que temo falar claramente do sul baiano? Sim, foram tempos duros. Itapé sempre me pareceu uma vila de uma novela de Graciliano Ramos, um mundo onde nem mesmo os laços familiares produziram-me significâncias com a terra.
    Lembro com faíscas de alegria verdadeira, o cheiro de cacau maduro, os banhos de rio com os cinco irmãos, as baronesas com flores lilás, os passeios a cavalo, jaca mole madura, aimpim cozido, o vôo noturno enquanto todos dormiam, os vagalumes e os louva-a-deus, uma jaqueira no alto de um monte e estrelas cadentes na madrugada, a luz de lampião iluminando a leitura de vidas de Autran Dourado, o silêncio da noite,  a beleza miúda e descalça de d. Nininha, papai Antonio comendo pitú aferventado, as fogueiras de são joão, a feira popular aos sábados e os lírios brancos no pasto.
    Não sou um produto legítimo deste lugar. Prefiro as cidades positivas, no sentido que de algum modo dão a sensação de cidades vivas e vitais. Itabuna, apesar das diferenças lógicas, também sofre dessa impressão de que a grandeza não está nunca no presente, e que em troca parece estar num passado recente desconhecido por todos.
    É uma cidade que tem sua história, sua grandeza, sua cultura e, nos últimos meses em que vivi nela, uma atmosfera irrespirável.
    É uma cidade que "havia podido ser". Está no ocaso, quem sabe no futuro, ou bem à falta de futuro.
    Poderia lembrar com nostalgia e um sorriso discreto nos lábios: as matinês no cine Marabá vendo western-spaghetti protagonizado por Giuliano Gemma, as conversas poéticas com Genny Xavier, os bailes nos clubes de subúrbio, a reza poderosa de "sêo" Marinho, a energética de d. Luzia, a cegueira nunca aceita de Vovô Bispo, os senhores casados e seus jovens e secretos amantes,  Joanita Vital dizendo: "Vá embora deste lugar. A vida verdadeira nao mora aqui", o humor diplomático de Nilsinho Ramos, as irmãs Ribeiro, o desassossego de Moisés Filho, a animada prima Mariazinha, Zéis encerando assoalhos, o mulato Cristina de mini-saia prostituindo-se nas ruas, o desatino febril da meiga Meire Chaves, a presença magnética de Marta Veloso, o falatório em alta-voz de Edjalma, os finais de tarde na locadora de Claudinha Lucas,  noitadas frenéticas com Marcão e Celimar, a melancolia mística de Moysés Simões, a corpo escultural de Gustavo Haun, o New York, New York de Leda e Gioconda, as sessões de jazz com Luis Wilde, Jaziel Guimarães travestindo-se como uma deusa, os eclipses de beleza em amantes outrora inconfessáveis, as primeiras poesias publicadas, o comportamento moderno e charmoso de tio Gervásio, o olhar de puro amor de mama Lurdes, banana frita e cuscus, as cartas acertadas da cigana Tânia, a lógica rutilante de Ruy Póvoas, os sinais espirituais, a irreverência de Sérgio Brandão, os excessos da sedutora Ana Nunes e a inteligência efêmera de Renatinho Alpoim, as festas familiares na casa da Conceição da Avó Áurea, os amigos queridos que enlouqueceram e eu não soube dar uma mão, os prazeres e os dias na rua Ramiro Nunes de Aquino, os momentos de descoberta no Divina Providência, a palavra acertada e precisa de Tica Simões,  Ney Galvão e sua boutique El dia que me quieras, o talento culinário de Altino Henrique, Paulinho Queiróz e seu grupo Retrato Fatal,a arte de Alceu Pólvora e Guga Frederico, o incentivo jornalístico de Manuel Leal, Waldirene Borges pintando em seu atelier, a simplicidade bonita e o cozido domingueiro de Angelina, a luminosidade de Cinha Dantas, a beleza hipnotizante e juvenil de Michael Maron e Maria Fernanda,  acarajé com guaraná, a cumplicidade com Aldo, as piadas de Drao, a mitologia em torno de Candinha Dórea, a publicação do
alternativo Narciso com o iconoclasta Maurício Pinheiro, o desejo encerrado entre quatro paredes de um escritório e o talento pouco aproveitado da atriz Eva Lima.
    Certa vez encontrei-me com três extraterrestres, fato inacreditável e fantasioso para muitos, e minha vida mudou, deixei de me divertir em Itabuna, precisava partir. Dava a impressão de estar numa cidade que seria atingida por um violento raio divino e, como Lot, teria que ter o cuidado de nem ao menos olhar para trás, pois poderia diluir-me em pó.
    Tive repentinamente a consciência que vivia descentrado, marginalizado pelos ilustres colegas escritores e solenes jornalistas. Precisava urgentemente da diversidade que desenha uma identidade.
    Somente enxergava existências mínimas - e peço perdão a tantos itabunenses que amo -, mundos pequenos de prognósticos graves, habitantes de bares aborrecidos e restaurantes de comida gordurosa, artistas abandonados, homossexualismo fragmentado e hipócrita, truques e intenções malévolas, conversas sobre ridículas novelas de tevê, políticos que não merecem o voto de ninguém.
    Necessitava crêr em algo, a falta de uma crença, seja em Deus, na literatura ou num par de tetas, termina levando a crença em qualquer coisa. Antes de deixar o país - pois já era imperativo não só deixar a cidade, como o próprio país onde ela estava mapeada -, mudei-me para São Jorge dos Ilhéus, a pátria de Gabriela, Malvina e Gerusa.
    Achava que o mar me salvaria. Joguei flores para Iemanjá, escrevi uma novela com pitadas melodramáticas e policialescas, a amizade com a poeta Neuzamaria Kerner, e me meti num combate cerrado, mesquinho e invisível com uma série de inumanos. Ilhéus toca o meu coração.
    Não poderia jamais esquecer que foi onde conheci uma das pessoas mais importantes de minha existência: Fahda Maron, a senhora Juhè.
    Lembro com saudade do Malhado, da Praia do Marciano, das festas populares, dos nativos lúdicos que amei, de tardes de carangueijos e lambretas com Drya Magalhães, dos banhos noturnos no mar morno, das chuvas fortes e rápidas, do cheiro de jasmin à noite, do sorriso aberto de Verinha Rabelo e da hospitalidade da família Telles.
    Ali, na solidão do meu espírito, voltei a ler Adonias Filho, Valdelice Pinheiro, Telmo Padilha, José Delmo e Hélio Pólvora para melhor compreender a região onde cheguei à terra.
    Muitas vezes, quando um estrangeiro interessado no Brasil pergunta de onde sou, respondo sem pensar, portanto sem uma idéia pré-concebida, que sou de Ilhéus e falo de sua beleza antiga, dou voltas poéticas e emocionadas em torno de bromélias, do odor do cacau e do mistério da Lagoa Encantada - onde passei dias de amor inesquecíveis -, a margem da apatia do discurso político-social local.
    É uma cidade de um vazio interior amparado por coisas. Termino dizendo que estas três cidades iniciadas pela letra i me ensinaram a não acreditar nos homens que estão no poder. Então aprendi a inventar cidades, a ser sozinho e a não chorar (e chorar é muito especial!).
    Vago por um labirinto de ruas, praças, bosques, colinas, refúgios, ruinas históricas, lagos, rios, jardins, fontes, mestiçagens,
fronteiras, recordações da memória coletiva e da pessoal, diálogos esquecidos, vozes a deriva, pintura, a poesia de existir. Sentado num café, lembro de Pessoa num café de Lisboa, o Martinho da Arcada, falando de Lisboa e de metafísicas perdidas pelos cantos dos cafés de toda parte.
    Sei que vivi de forma intensa, insensata e audaz nos meus anos sul baianos, e que muitas vezes dou a impressão de que tudo foi
vazio ou um autêntico nada. Não é intencional. Vejo as máscaras e as imposturas, o reino da aparência e do simulacro e admito que banquei o ridículo em certas ocasiões, mas foram tempos bacanas.
    Eu peço desculpas por estar além do bem e do mal de Itapé, Itabuna e Ilhéus, principalmente por não registrar apaixonadamnte no papel possíveis impressões sobre estas sofridas cidades.
    É que acredito que a literatura é uma viagem, uma odisséia, e só posso escrever com o que existe na minha sensibilidade, e a cidade que eu sinto saudades não existe realmente em nenhum lugar,  porque nunca nenhum lugar me ofereceu uma identificação completa.

     Antonio Júnior é poeta, viajante e jornalista. Publicou neste mês de outubro, contos e crônicas nas páginas web Blocos (Rio de Janeiro), Cá Estamos Nós (Lisboa), A Região (Bahia) e na revista Go (Barcelona), além de entrevistar para A Tarde, o diretor de cinema Carlos Saura e a escritora Isabel Allende. Está lançado a revista de cultura, Diadorim, com textos de espanhóis e brasileiros. Vive em Barcelona, onde escreve a novela Dias Contados.
 

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