Brasília, 05 de outubro de 2000

Excelentíssimo Senhor Ministro Rafael Greca,

Ao ser convocado por Vossa Excelência na noite de ontem e ser solicitado a entregar uma carta de pedido de exoneração do cargo de Presidente do Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto, porque segundo vossa exposição, o PFL, uma articulação política tinha obtido junto ao governo a aprovação do Senhor Augusto Viveiros para substituir-me, achei por bem, cumprir imediatamente a vossa solicitação, pois o cargo é de Vossa Excelência, mas também me achei com o direito de esclarecer alguns pontos e detalhes, em nome da verdade.

Quando convidado por Vossa Excelência para assumir a presidência do INDESP, pensei que poderia colocar toda a minha experiência e compromisso a serviço da sociedade brasileira, contribuindo através do esporte nesta relevante missão.

Ao longo desses quase nove meses que com muita honra dirigi o INDESP, tive muitas satisfações expressas pelas ações das diretorias-fins, as quais permitiram:

a) um aumento considerável e crescente de atendimento as crianças carentes no Programa "Esporte Solidário", atingindo atualmente quase 160.000 crianças, cujo mérito deve-se principalmente a Lars Grael, que agora adiciona uma nova ação para o desenvolvimento do Projeto "Navegar";

b) que o INDESP cumprisse praticamente todos os seus compromissos de promoção de atividades esportivas para as pessoas portadoras de deficiência;

c) que o programa "Pintando a Liberdade"chegasse hoje a praticamente 12 estados (antes eram somente dois);

d) que o INDESP conseguiu, apesar da escassez de recursos apoiar os principais eventos científicos do esporte no país;

e) que o INDESP também conseguiu atender as demandas das participações esportivas internacionais do esporte de rendimento, inclusive os Jogos Pan-americanos, onde os nossos atletas elevaram inclusive a auto estima do povo brasileiro;

f) que o INDESP conseguiu, após o desenvolvimento de um plano estratégico, entrar no Plano Plurianual com os programas "Esporte Direito de Todos", "Esporte Solidário" e "Brasil-Potência Esportiva".

Estas realizações só foram possíveis graças às pessoas do INDESP, que estarão registradas no meu pensamento como pessoas compromissadas e sempre prontas a servir o país.

Entretanto, Excelentíssimo Senhor Ministro, também tive muitas dificuldades, as quais podem ser explicadas pelos seguintes motivos:

a) O canal paralelo que Vossa Excelência e a Secretária Executiva Tereza Castro sempre abriram ao Senhor Luiz Antonio Buffara de Freitas, embora nos vários conflitos surgidos, eu tenha explicado à Senhora Secretária Executiva os transtornos que este diretor causava, principalmente quando tentava de alguma forma dominar, com exclusividade, todos os assuntos relativos a bingo.

b) O notório pouco conhecimento de Vossa Excelência em relação ao esporte, e a indisponibilidade para ouvir quando emite qualquer ponto de vista;

c) A forma pejorativa e jocosa que Vossa Excelência sempre tratou o INDESP, em reuniões no próprio Ministério e até publicamente;

Apesar desse panorama negativo, sempre procurei com lealdade melhorar este quadro de dificuldades circunstanciais, buscando através do bom senso e da serenidade uma reversão que pudesse melhorar a performance de Vossa Excelência, no Ministério, diante da Comunidade, pelo menos nas questões do Esporte. O que sempre esteve claro é que eu não era a pessoa da sua confiança, pois desde o nosso primeiro encontro, Vossa Excelência falou-me que queria colocar um engenheiro na presidência do INDESP (seria o engenheiro Luiz Buffara, por acaso?) para alguns dias depois convidar-me por telefone, quando eu estava num Congresso Internacional em Foz do Iguaçu.

Devo acrescentar, que a partir do pedido de exoneração do Senhor João Elias Cardoso do Setor de Bingos, este quadro ganhou novos contôrnos, pois embora a carta de descompatibilização daquele funcionário não apresentasse provas concretas das insinuações relatadas, a imprensa passou a colocar sob suspeita as ações do Senhor Luiz Antonio Buffara de Freitas e do Senhor Paulo Araújo (nomeado pelo MET como colaborador eventual para elaborar a legislação específica sobre bingos), apresentando graves denúncias.

Desde o primeiro momento que o assunto "Bingo"entrou em pauta na mídia, percebi que Vossa Excelência em todas as declarações à imprensa, passou estrategicamente a desviar o assunto para os outros problemas do bingo, tentando tirar o foco do diretor de Administração e Finanças (DIAFI) Luiz Antonio Buffara de Freitas, quando o mais prudente, ético e sensato seria afastá-lo das suas funções até que tudo fosse devidamente apurado. Foi justamente neste ponto que senti o quanto eu estava sendo marginalizado das ações que se desenvolviam no Ministério como resposta às acusações que recaiam inclusive sobre Vossa Excelência, o que ficou claro com a carta ao jornalista Juca Kfouri, (publicada na Folha) escrita por várias mãos e cheias de equívocos, o que provocou uma tréplica daquele jornalista.

No dia 08/09/99, como é de Vosso conhecimento, a Revista Veja publicou novas denúncias, permanecendo Vossa Excelência na mesma posição, isto é buscando providências paralelas e dando entrevistas que mais serviam para confundir as denúncias do que esclarece-las.

É importante relembrar, Excelentíssimo Senhor Ministro, das dificuldades que encontrei para baixar a Portaria n 23/99 que modificava a Portaria n 104/98, porque o diretor da DIAFI (Luiz Antonio Buffara de Freitas) queria a qualquer custo manter a exclusividade dos laboratórios credenciados na portaria anterior. A Secretária Executiva do MET (Sra. Tereza Castro), em reunião comigo e o Sr. Bufara, defendendo a posição daquele diretor, percebeu que eu não aceitaria assinar a nova portaria caso permanecesse aquela exclusividade suspeita. A Secretária Executiva pediu 24 horas e penso, que após consulta a Vossa Excelência, propôs um parágrafo que caberia ao Ministério, e não ao INDESP a possibilidade de novos credenciamentos. Registra-se que aceitei prontamente a sugestão, pois mesmo não sendo no INDESP, estava de alguma forma rompido aquele monopólio.

Relembro ainda, que por ocasião da elaboração do Novo Regimento do INDESP, mais uma vez, o diretor da DIAFI, sempre falando em nome de Vossa Excelência e da Senhora Secretária Executiva, tentou de todas as formas que os assuntos de bingo ficassem subordinados a ele, inclusive a assinatura dos certificados, o que também não concordei. Esta discussão também chegou à Secretária Executiva, pois o Senhor Buffara alegava que eu às sextas-feiras retornava para o Rio (Os meus vôos sempre foram às 18:15 horas) e não tinha quem assinasse as chamadas autorizações para os bingos eventuais. O entrave foi facilmente resolvido porque eu mesmo fiz a proposição que o diretor da DIAFI fosse o substituto na minha ausência. Mas o registro que deve ser reforçado é a obsessão do Senhor Luiz Antonio Buffara de Freitas em buscar de todas as formas a exclusividade da responsabilidade sobre as autorizações dos bingos, e sempre dizendo que era essa a orientação do Ministro e da Secretária Executiva.

Foi quando, no dia 09/09/99 resolvi abrir sindicância para apuração dos fatos, comunicando por escrito a Vossa Excelência (através do Ofício n 801/99), e a Secretária Executiva esta minha decisão.

No dia seguinte, dia 10/09/99, após audiência concedida ao Ministro da Educação e Esporte da Guiné-Bissau, Vossa Excelência disse que desejava falar comigo. Na nossa conversa, mais uma vez, invertendo estrategicamente tudo o que de fato ocorreu, Vossa Excelência disse-me que estava insatisfeito comigo porque eu não o havia procurado para tratar do conflito que o MET e o INDESP viviam, em relação às denúncias sobre bingo. Expliquei a Vossa Excelência, que eu o havia procurado (inclusive transferido uma viagem a serviço) e que não fui recebido (o Chefe de Gabinete disse-me que Vossa Excelência não precisava mais falar comigo), e além do mais, todas as minhas ações eram de conhecimento da Senhora Secretária Executiva. Também informou-me nesta reunião que os cardeais do PFL tinham decidido minha saída e que Vossa Excelência é que estava me mantendo no cargo. Não consegui de forma alguma acreditar, pois Vossa Excelência, explicidamente, demonstrava o incômodo que eu representava, e tenho certeza que já existiam ações de Vossa parte no sentido de substituir-me, em face das minhas resistências narradas neste documento.

A seguir, no dia 12/09 (Domingo), surge a reportagem da Folha de São Paulo sob o título "Ministro descarta privilégios políticos" e uma carta de Vossa Excelência na Revista Veja em resposta à reportagem anterior daquele períodico. Nestes dois artigos Vossa Excelência criou outra verdade, ao dizer que tinha determinado sindicância no INDESP, pois ao contrario e de fato, quem abriu sindicância no INDESP fui eu, à revelia de Vossa Excelência, já que nenhum momento recebi esta determinação. Mais uma vez Vossa Excelência tentou mudar o foco da questão, adaptando suas declarações às conveniências estratégicas do momento.

Por outro lado, em reportagem do mesmo dia na Folha de São Paulo sob o título "Parlamentares fazem lobby sobre bingos" o mesmo diretor Luiz Antonio Buffara de Freitas, intocável, disse que o órgão (INDESP) é uma "bagunça"e que era um "prostíbulo", arranhando a ética, atingindo o próprio governo (o "antes" também era governo Fernando Henrique Cardoso e os ministros anteriores foram Edson Arantes do Nascimento e Paulo Renato de Souza), e ainda se dá ao direito de ofender todos os funcionários do INDESP, principalmente as do sexo feminino que trabalhavam e continuam trabalhando no órgão. E Vossa Excelência, mais uma vez, estranhamente protege Luiz Buffara, tornando-se de uma certa forma cúmplice desse quadro de suspeitas, falta de ética e desrespeito às instituições públicas e às pessoas num momento em que o próprio Presidente da República impõe um Código de ética aos escalões superiores. A propósito das declarações do diretor da DIAFI ("bagunça" e "prostíbulo"), em carta datada de 14/09 inqueri este senhor sobre o que disse e o mesmo respondeu-me por carta que de fato tinha usado um termo infeliz. É importante esclarecer que as nomeações dos diretores do INDESP são de competência do Ministro do Esporte e Turismo e por isto o diretor Buffara, embora não tivesse mais condições éticas de permanecer na função, foi mantido por Vossa Excelência.

Por tudo isso, Excelentíssimo Senhor Ministro, atendendo a solicitação apresento o meu pedido de exoneração, mas não posso deixar de afirmar que estou aliviado por não fazer mais parte deste quadro confuso de inverdades, jogos de politicagem, denúncias não apuradas, protecionismo e interesses inconfessáveis, que tanto estão entrevando o desenvolvimento do esporte no Brasil.

Como lealdade e confiança entre pessoas são coisas recíprocas, o fato de Vossa Excelência ter rompido esses dois valores na nossa relação hierarquica no MET, conforme a minha exposição acima, é essencial que em nome da transparência e da busca da verdade no regime democrático, eu coloque este documento à disposição da opinião pública e das autoridades do meu país.

Após ter servido ao governo com muita honra durante cinco anos (Governo Sarney) como Presidente do Conselho Nacional de Desportos e agora nove meses como Presidente do INDESP, reforço a minha crença no esporte como um dos meios principais de promoção e convivência humana, reafirmando o meu compromisso com a nação brasileira, que agora será por mim exercido como professor universitário, cientista e escritor.

Atenciosamente,

Manoel José Gomes Tubino